Já pensou em todos na empresa ajudarem a tomar as decisões importantes, mesmo não tendo um alto cargo com poderes para isso? Esse sistema de governança organizacional chamado holocracia ? ou holacracia ? já é realidade em muitas empresas brasileiras.
O conceito não é novo. Já era usado em minas e fábricas de carvão no início do século 19. Mas pouco se conhecia sobre o seu significado até o empresário e consultor americano Brian Robertson trazê-lo de volta em 2007.
De forma bem prática, uma empresa que escolhe a holocracia como modelo de gestão dá aos colaboradores o poder de participar da tomada de decisões. Isso quer dizer que não há centralização nessas empresas.
O ?manda quem pode, obedece quem tem juízo? é totalmente ultrapassado nessa (não tão) nova maneira de gerenciar.
No Brasil, a startup Eduk é o principal exemplo de empresa que adota esse sistema de gestão. Para desenvolver os cursos técnicos de capacitação que oferece, a startup envolve desde cofundadores até profissionais recém-chegados nas discussões.
Todos têm liberdade para realizar críticas às sugestões uns dos outros. Não importa se a ideia partiu do CEO e o contraponto é de um colaborador novo, por exemplo. Todas as pessoas têm vez e voz.
As startups são as empresas que mais aderem a esse modelo de gestão. Áreas de pesquisa e desenvolvimento também usam o sistema. Até mesmo fábricas, restaurantes, salões de beleza e hotéis têm se aventurado nesse modelo com o objetivo de ganhar agilidade nas ações.
Mas esse não é o único resultado esperado. O que as empresas também querem é ser flexíveis e lidar bem com mudanças constantes, e simultaneamente criar uma cultura de empoderamento dos colaboradores.
Empresa sem chefe? Entenda como a holocracia funciona
Esse modelo de gestão tem como característica a divisão de poder e a tomada de decisões entre todos os colaboradores da empresa. Todos se tornam líderes e devem gerenciar a si mesmos. Quem organizou e difundiu este formato de gestão foi o empresário americano Brian Robertson.
Nele, todos os colaboradores são envolvidos na tomada de decisão. É um modelo sem um organograma hierárquico, mas que tem regras que precisam ser seguidas para a gestão horizontal dar certo.
Brian Robertson chama essas regras de ?Constituição? e explica todas elas em detalhe no livro Holacracia: o novo sistema de gestão que propõe o fim da hierarquia.
Tornou-se comum chamar esse sistema de um modelo “sem chefe e sem hierarquia”, porém não é bem assim. Ainda que não siga o modelo tradicional de hierarquização, ela existe! A diferença é que funciona através de círculos.
Cada círculo é composto por equipes multitarefas responsáveis por um objetivo. Os círculos não são fixos, estão sempre em ajustes, podendo até serem extinguidos caso não tenham resultados satisfatórios.
De certa forma, pode se dizer que é uma hierarquia baseada nos papéis e estratégias, não necessariamente nas pessoas. Isso permite que um colaborador faça o seu trabalho sem precisar consultar ou pedir autorizações, eliminando processos burocráticos.
No exemplo das startups, a responsabilidade pode ser de designers e desenvolvedores envolvidos em um projeto específico. É uma forma de fazer com que profissionais de áreas que habitualmente não atuam juntos sejam colaborativos entre si até a finalização do serviço.
Com isso, as pessoas deixam de se ver vinculadas somente à equipe de design ou à equipe de desenvolvimento. Passam a ser parte importante da equipe do projeto e contribuem com seus múltiplos conhecimentos.
As características da holocracia
Autonomia para atuar
A base desse modelo é a autogestão, assim todos estão aptos a tomar decisões. No setor de atendimento ao cliente, por exemplo, não é preciso seguir um roteiro com decisões pré-estabelecidas. O atendente pode definir o que faz mais sentido para satisfazer o consumidor.
Quem está acostumado com a rotina padronizada das empresas pode ter dificuldade de entender como algo assim funcionaria, não é mesmo? Parece uma organização bagunçada, porém o fator essencial está no perfil dos colaboradores.
Obviamente, profissionais que estão acostumados e gostam de ter um direcionamento sobre a execução do trabalho podem não estar aptos a atuar nesse modelo. Afinal, esse é um sistema que empodera e dá autonomia na execução do trabalho, independente da função.
Papéis principais
Mesmo sem chefes, o sistema organizacional conta com papéis principais que compõem todos os círculos: Elo Principal, Elo Representativo, Facilitador e Secretário. Cada um deles tem uma função importante para o funcionamento do sistema.
A execução dos círculos deve ser feita de forma democrática e aberta, mas há algumas regras. Todos os detalhes sobre a estrutura são detalhados em um documento chamado de constituição.
Princípios de governança
Outra característica importante desse modelo de gestão são os princípios de governança. Fica claro para todos quem pode fazer o quê dentro da organização, tornando o trabalho mais fluido e transparente.
Como não há cargos específicos, mas sim funções, o colaborador pode atuar em diferentes esferas, transitando entre os projetos. Como há maior colaboração e comunicação entre todos, é possível aumentar a produtividade e aperfeiçoar o fluxo de trabalho.
Mas como todos os outros modelos organizacionais, têm suas vantagens e desvantagens.
Quais são as vantagens e desvantagens da holocracia?
Vantagens
Habilidades de líder
?O trono do poder deixa de ser ocupado por uma pessoa no topo da hierarquia e passa a ser parte do processo?, escreve Robertson.
Segundo ele, é essa mudança na estrutura da organização que dá aos colaboradores maior poder e autoridade. Assim eles também se tornam responsáveis pelo desenvolvimento da empresa.
O que significa que precisarão usar sua experiência e se desenvolver para trabalhar e fazer o negócio crescer.
É um desafio que incentiva o aperfeiçoamento das habilidades de liderança, como capacidade de se comunicar claramente,escuta ativa e tomada de decisão.
Produtividade
Em empresas com um modelo de gestão convencional, não é raro as equipes ficarem travadas, sem poder trabalhar, até que a pessoa coordenadora ou gerente conclua a supervisão do trabalho e autorize a equipe a continuar ou a oriente a mudar de estratégia.
Em muitas situações, esse cenário gera retrabalho, além do desperdício de horas remuneradas e criatividade.
Nesse modelo de gestão, a história é diferente. A começar pelo fato de que não é preciso que três ou quatro pessoas revisem o que foi feito para que a equipe possa prosseguir com o trabalho. Afinal, tudo é feito colaborativamente e as pessoas têm autonomia para decidir.
Sem a parte burocrática incômoda, reduz-se o tempo de execução dos projetos. Por consequência, há aumento da produtividade.
Valorização
?Se a empresa fosse minha, o que eu faria??. Enquanto auxiliava empresas na implementação da holocracia, Robertson descobriu que conforme as pessoas se habituaram às novas responsabilidades, era essa a pergunta que se faziam.
Portanto, elas desenvolviam um sentimento de pertencimento porque se sentiam valorizadas.
As pessoas entendiam que não eram só mais uma pessoa para fazer um trabalho. Mas que havia uma confiança no seu potencial e respeito à importância que tinham para a equipe de trabalho. Quanto mais satisfeitas as pessoas se sentem, mais elas seengajam com o ambiente de trabalho.
Inovação
Uma história que Robertson conta no livro é a de Evan Willians, co-fundador do Twitter e do Medium. Segundo a narrativa, Willians sentiu pavor ao considerar fundar outra empresa no papel de um CEO tradicional, sobrecarregado e afastado do trabalho criativo.
O modo que encontrou de evitar seguir por esse modelo foi adotar parcialmente a holocracia no Medium. Assim conseguiu distribuir a autoridade e ganhar tempo para inovar. ?A energia criativa dos antigos gestores também é liberada de maneira poderosa e surpreendente?, escreve Robertson.
Desafios
Persistência
Esse modelo de gestão necessita de profissionais capazes de agir para resolver as situações que aparecem no dia a dia da equipe de trabalho, de forma livre e aberta. ?Essa não é uma habilidade natural nas pessoas?, afirma Alexis Gonzales-Black para Robertson.
Alexis é membro da equipe que liderou a implantação da holocracia na startup Zappos quando a empresa ainda pertencia a Tony Hsieh. ?Quanto mais você pratica a holocracia, melhor você se torna. Você tem de formar e treinar esse músculo?, diz Alexis.
A questão é saber o quanto os colaboradores estão dispostos a se implicar em um modelo organizacional que exigirá deles uma nova postura, mais decisiva e colaborativa. É possível que algumas pessoas não consigam se adaptar e a empresa sofra comdemissões em massa.
Mudança de gestão organizacional
Utilizar esse modelo de gestão pode ser um desafio para todos os envolvidos. Profissionais habituados a solucionar todos os problemas e a assumir todas as responsabilidades porque são chefes, precisam aprender a trabalhar com uma nova dinâmica.
Ao mesmo tempo, os profissionais habituados a não tomar a frente nas decisões e à falta de autoridade têm de aprender a lidar com diversas situações que antes levavam para a liderança resolver.
Nesse contexto, todos adquirem novas funções e diferentes responsabilidades com a nova maneira de usar e manter a autoridade.
No ano em que a holocracia foi instituída na Zappos, Tony Hsieh deu aos colaboradores duas opções: abraçar a mudança organizacional ou deixar a empresa. Ao todo, 210 colaboradores optaram por receber uma indenização e sair da empresa.
Isso mostra que para implementá-la é preciso que as pessoas sejam muito bem preparadas e estejam comprometidas com a organização a ponto de querer fazer o modelo de gestão dar certo.
Comprometimento
Todas as pessoas que colaboram com a empresa precisam entender como o modelo funciona. Só assim poderão contribuir para colocar o sistema em prática.
Para isso é preciso esforço da equipe de implementação para realizar encontros ? quantos forem necessários ? para explicar o modelo e responder a todas as dúvidas.
Tony Hsieh implementou a holocracia primeiro em uma parte pequena da empresa. Como o projeto-piloto foi bem, iniciou a implementação em toda a empresa em 2013.
Mas em uma matéria do jornal Correio Braziliense de 2021, o escritor e repórter de tecnologia, Paul Bradley Carr, diz que ?muitas pessoas se sentiram presas e intimidadas por aqueles que entendiam o sistema?. O resultado é que em 2018 a Zappos abandonou silenciosamente o modelo de gestão.
Por que isso aconteceu é difícil de dizer. Mas uma pista pode ser o que menciona Carr. As pessoas não entendiam o sistema e podiam não estar confiantes para tomar as decisões. Precisavam de orientação e isso pode ter faltado em algum momento.
Criar confiança
Uma das finalidades da holocracia é deixar as pessoas livres para pedir ajuda, informações e trocar ideias. Da mesma forma, permitir às demais pessoas se sentir à vontade para ajudar e opinar, sem o risco de enfrentar a negativa de uma liderança.
O desafio é incentivar as pessoas a ter confiança para se expressar e agir de acordo com o próprio pensamento quando a organização social é hierarquizada.
Muitas crenças e vivências pessoais precisam ser ressignificadas para esse tipo de gestão dar certo e isso pode exigir muito esforço. Tanto que as pessoas preferem não apostar em uma forma diferente de colaboração.
Toda empresa pode adotar a holocracia?
Sim, ela pode ser adotada por diversos tipos de negócio. Inicialmente, pode ser interessante começar com um projeto-piloto em um setor ou departamento até evoluir para o restante da empresa.
Organizações menores podem ter mais facilidade de implementar a gestão, no entanto, grandes empresas também podem se tornar referência neste tópico. Normalmente, o modelo de gestão serve bem em:
Áreas de pesquisa e desenvolvimento;
Negócio que requer agilidade de ações;
Startups e áreas de tecnologia.
Como preparar a empresa para a mudança?
Uma conclusão que é possível (e fácil) chegar é a de que a holocracia, no fim, é sobre pessoas. Sem que as pessoas estejam dispostas a trabalhar em uma estrutura organizacional, onde não há uma hierarquia formal, ela não se estabelece.
Então, como encaminhar a empresa para instituir a holocracia? A resposta mais óbvia é cuidando e ouvindo as pessoas de forma contínua, e é possível fazer isso a partir de uma pesquisa de clima e engajamento.
Esse tipo de pesquisa é capaz de avaliar aspectos:
individuais do colaborador (responsabilidade, controle emocional, iniciativa etc.);
do trabalho (recursos disponíveis, características das tarefas, satisfação etc.);
empresariais (normas, gestão, estratégias, recompensas etc.);
da liderança (relacionamento com a equipe, suporte, competência etc.);
da equipe (feedback entre os pares, relacionamentos interpessoais, colaboração etc.).
Com base nesses fatores é possível identificar a percepção das pessoas em relação a diversos aspectos da empresa, como por exemplo, uma mudança que foi implementada.
Assim, você saberá as melhorias que a empresa precisa fazer e planejar a transição para um novo sistema de gestão. A Pulsesé uma ferramenta que as empresas têm utilizado para esse tipo de pesquisa, acesse o sitepara entrar em contato conosco.
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